Armadura e armas da Bíblia

 

A

mbas as ideias são sumarizadas nos termos gerais em hebraico ksiim (Gênesis 27.3; I Samuel 17.54; e no grego hopia (LXX passim', 2 Coríntios 10.4; Testamento de Levi 5.3). O aspecto defensivo é salientado no vocábulo madim ('armadura", 1 Samuel 17.38) e o ofensivo no termo nesbeq ("armas", 2 Reis 10 2).

I. ARMADURA (DEFENSIVA)

a)      Escudo

Todas as nações da antiguidade empregavam escudos. Os israelitas possuíam duas variedades. O escudo maior (tsinnah, também traduzido "paveses") que era usado para cobrir o corpo inteiro, tendo a forma oval ou retangular como uma porta (o grego Thureos se deriva de thyra, "porta"). Os paveses era usado pela infantaria pesadamente armada (2 Crônicas 14.8), e, no caso de Golias, havia um escudeiro especial (1 Samuel 17.7). O escudo menor (magen) era levado pelos conscritos temporários e arqueiros, tais como os benjamitas do exército do rei Asa (2 Crônicas 14.8). Infelizmente algumas versões confundem esses dois tipos de escudos. Os "paveses" ornamentais de Salomão, sendo escudos grandes, exigiam quatro vezes mais ouro que os menores (1 Reis 10.16,17), o que dá alguma ideia da diferença no tamanho dos mesmos.

Normalmente os escudos israelitas eram feitos de ferro ou vime trançado, podendo ser recoberto com couro. A versão de vime foi mais usada pelos israelitas do Reino do Norte e pelos soldados de Judá na época do declínio econômico e das invasões babilônicas, pois as minas de ferro na Arabá e no Neguebe foram tomadas pelos edomitas, apoiados pelos babilônicos. Além disso, os escudos de vime podiam ser queimados como um sinal de vitória (Ezequiel 39.9). Os escudos de ferro e couro eram ungidos com azeite antes das batalhas, para preservar o de couro e para tornar reluzente os de ferro (Isaías 21 5). Ocasionalmente, o bronze era o material empregado para sua feitura (I Reis 14.27).

b) Capacete

Nos tempos da conquista de Canaã e dos Juízes, o capacete (tova') era feito de bronze e aparentemente se restringia aos reis ou líderes proeminentes. Assim, o rei Saul deu a Davi o seu próprio capacete de bronze (I Samuel 17.38). Os capacetes dos hititas, pintados nas paredes do templo de Karnak, no Egito, tinham a forma do alto de um crânio e eram feitos de couro. Pelo tempo do rei Uzias, todos os soldados de Judá recebiam capacetes (2 Crônicas 26.14), que provavelmente eram feitos de ferro para os oficiais e couro para os conscritos. O bronze era o material comum, até que o ferro se tornou também comum. Os capacetes dos soldados de Judá e Israel eram cônicos e adornados com plumas, já que nesse período focava-se mais na elegância dos uniformes do que na praticidade em campo de batalha.

No período dos selêucidas, os soldados comuns recebiam capacetes de bronze (1 Macabeus 6.35). Os soldados de Judas Macabeu usavam um capacete de ferro grego chamado Chaldaíos (“calcidiano”), que era alto e enfeitado com chifres de carneiro, plumas e um turbante colorido. Esse capacete continuou sendo usado pelo Exército Sempre Vitorioso dos Asmoneus até a sua dissolução por Herodes em 37 a. C.

Entre os romanos e os gregos, e entre o exército herodiano, os capacetes feitos de ambos os materiais eram comuns. Os soldados de Herodes usavam um capacete em estilo trácio com proteção para as bochechas e pintado de lilás. Paulo usa o capacete romano (Cassis) figurativamente como parte do equipamento do guerreiro cristão (Efésios 6.17)

c) Cota de malhas

Escamas ou lamelas de ferro para os líderes e oficiais, e bronze para os soldados comuns e conscritos, era também a regra geral para a proteção do corpo. Golias era uma exceção, visto que era “campeão" do exército filisteu; portanto, possuía uma cota de malhas composta de escamas e placas de bronze dourado (I Samuel 17.5) A shiryon, couraça de cotas dos soldados israelitas e judeus, era realmente uma couraça que protegia não apenas o peito, mas também as costas, com mangas que cobriam os braços até os pulsos e descia até a altura dos joelhos. Ela era lamelar, uma couraça que consiste em pequenas plaquetas conhecidas como "lamelas" ou "lâminas", que são perfuradas e entrelaçadas, normalmente em fileiras horizontais. As lamelas podem ser feitas de metal, couro, chifre, pedra, osso ou substâncias mais exóticas. As lamelas de metal podem ser lacadas para resistir à corrosão ou para decoração. Isaías 41.6,7 parece referir-se a manufatura de cota de malhas lamelares pelos ferreiros; enquanto os "pregos" provavelmente são os pinos que seguram as lamelas. Ao contrário da armadura de escamas, com a qual se assemelha, a armadura lamelar não é presa a um pano ou forro de couro (embora seja normalmente usada sobre uma roupa interior acolchoada). Fazia parte da armadura dos trabalhadores de Neemias (Neemias 4.16). A tradução "peitoral'' não é correta por essa razão.

A "armadura" de Acabe era uma couraça lamelar no estilo shiryon, com abas de ferro grandes soltas na altura da cintura; essas é que o escritor sagrado tinha em mente ao dizer que o rei foi ferido "por entre as juntas da sua armadura" (1 Reis 22.34). Por duas vezes em Jeremias (46.4; 51.3) a mesma palavra é traduzida por "couraça".

A descoberta de cotas de malha em Ras Shamra (Ugarite), Boghaz-koi e Alalah demonstrou pelo menos que o uso de tais armaduras já eram bem conhecidas no século XV a.C. Os tabletes inscritos encontrados no palácio também registram haver armaduras para carruagens e cavalos, mas exemplos dos mesmos tem sido encontrados somente nas cidades assírias e persas. Onde era exigida uma maior flexibilidade, eram usadas escamas menores, sendo que a forma das mesmas era sempre retangular, e não redonda, como nos relevos assírios. Havia dois sistemas diferentes de segurar as escamas ao fundo de couro: algumas vezes no sentido vertical, por um cordão, e outras vezes, horizontalmente.

No século III a. C., os gregos iniciaram a Helenização do mundo conhecido e com ela a expansão do uso do aço como metal substituto do ferro na confecção de armas e armaduras. Os indianos descobriram o aço em c. 500 a. C., e os persas aquemênidas que dominaram o noroeste indiano o usaram por séculos em suas correias de malha e cimitarras, até que os gregos descobriram o segredo de sua fabricação e espalharam o uso do aço como manufatura bélica pelo mundo antigo, inclusive na Palestina.

O equivalente grego era a thorax, também usada em 1 Macabeus 6,43 a respeito da armadura que protegia os elefantes de guerra. Na época dos Macabeus e da Dinastia Asmoneana, os oficiais judeus da infantaria pesada usavam armaduras em estilo Greco-Parto e com influências citas, feitas de escamas de aço redondas que iam até os tornozelos e possuíam adornos em tecido colorido e couro, enquanto a infantaria leve usava uma couraça no mesmo estilo e feita com cotas de malha lamelares de ferro, com um cinto de bronze com tiras de couro acoplado na cintura, a estilo dos selêucidas e povos iranianos. Os soldados de Herodes usavam a couraça helênica Linothorax, feita em escamas bem pequenas e douradas, ela ia até as coxas e possuía um cinturão de tiras embutido.

Os romanos na época da ocupação de Israel em c. 60 a. C. usavam a Lorica Hamata, uma armadura de correia de malha, um tipo de armadura que consiste em pequenos anéis de metal unidos em um padrão para formar uma malha. Na época do Novo Testamento até as reformas do século II da nossa era, os legionários usavam a pesada Lorica Segmentata, uma couraça que consistia em tiras de aço romano ("aros circulares" formados em faixas circulares), presa às tiras de couro internas. Paulo deriva o seu "peitoral da justiça" (Efésios 6.14) da LXX de Isaías 59.17.

d) Caneleiras

Parte da armadura que protegia as pernas entre os joelhos e o tornozelo, foi introduzida pelos Povos do Mar e Filisteus que invadiram o Egito e Levante em 1200 a. C. Foi mencionada apenas urna vez nas Escrituras em 1 Samuel 17.6 (mitshah). Golias usava caneleiras de bronze. É possível que a palavra hebraica em realidade signifique um tipo de bota.

Na era helenística, ela era amplamente usada pelos soldados gregos e macedônios, feita de ferro ou bronze e poderia ser pintada ou possuir adornos em relevo, como nas caneleiras trácias usadas pelos nobres. Os soldados herodianos a usavam tingida de lilás, igual aos capacetes.

II. ARMAS (OFENSIVAS)

a) Espada

A espada (herev) é a arma mais frequentemente mencionada na Bíblia. A lâmina reta era feita de ferro (I Samuel 13.19) e tinha dois fios (Salmos 149.6). Era pendurada no cinto (bagorah), no lado direito ou esquerdo do portador, e era usualmente protegida por uma bainha de couro (ra'ar; 2 Samuel 20.8). A arma de Eúde, com sua lâmina de 45 cm, era realmente uma adaga (chamada em nossa versão de "punhal"; Juízes 3.16), sendo canhoto, Eúde usualmente levava sua arma sob a túnica e amarrada na coxa direita. Tem sido encontradas adagas tanto em Laquis como em Megido, pertencentes a última fase da Idade do Bronze Antigo. Um exemplo de Laquis, do século XVII a.C., traz uma inscrição que é uma das primeiras tentativas conhecidas como escrita alfabética hebraica.

Fornalhas de fabricar espadas, na Filístia, tem sido descobertas em Gerar. Algumas vezes o punho era de bronze, prata e até de ouro, elaboradamente ornamentado, especialmente entre os nobres hebreus, egípcios, assírios e babilônicos.

No Novo Testamento, machaira é a palavra usualmente empregada (Mateus 26.4-7). A romphaia, que ocorre, com uma exceção, apenas no livro de Apocalipse, era uma espada grande, larga e curva, usada especialmente pelos trácios.

Os assassinos judeus revolucionários, os sicários, levaram adagas curtas e levemente curvas debaixo de suas vestes (Josefo, BJ ii.13.3).

Em ambos os Testamentos a espada é frequentemente usada de modo figurado para simbolizar o julgamento pela guerra, ou para representar a palavra de Deus (Ezequiel 21.28; Efésios 6.17).

b) Lança

O hanif era uma lança com haste de madeira e ponta metálica de bronze ou, em tempos mais recentes, de ferro (1 Samuel 17.7). Essa arma era empregada tanto para carregar como para arremessar. Quando espetada em terra, ao lado do travesseiro de Saul (I Samuel 26.7) indicava o local onde estava o rei, um costume até hoje usado entre os xeques árabes. Por outro lado, a romah era aparentemente usada apenas como lança, pois era grande e pesada. As tropas pesadamente armadas levavam esta última arma, que era característica das tropas egípcias (Jeremias 46,4). Havia uma lança mais leve e mais curta, a kidon, empregada como dardo (Josué 8.18). Quando não era usada, era transportada atravessada nas costas (I Samuel 17.6).

Diversas palavras traduzidas como "lança' são de sentido geral; dependendo do contexto, podem ser usadas para arremessar ou para carregar (2 Samuel 18.14). O termo grego longdie, de João 19.34, é o equivalente do hebraico banir, uma lança grande de quase 3 metros de altura.

c) Arco e flecha

O arco (qeshet) e a flecha (hes) desempenhavam importante papel nas guerras de Israel. Algumas vezes o arco tinha uma única curva, noutras vezes, duas. Era usualmente fabricado com madeira temperada, ou, ocasionalmente, de chifre, e frequentemente era montado em bronze (Salmos 18.34),

A corda do arco era geralmente feita de nervo de boi, enquanto que as flechas eram de junco ou de madeira leve com ponta de bronze.

Os arcos de batalha (Zacarias 9.10) eram dotados de grande força; entre os egípcios esses tinham metro e meio de comprido. Para por-lhes a corda, a extremidade inferior era sustentada com o pé, enquanto que a extremidade superior era encurvada para receber a laçada e ser dado o nó (Jeremias 50.14). Isso explica a expressão hebraica "enfiar" o arco, que significa por-lhe a corda; e por isso mesmo os arqueiros são chamados em hebraico, de “arco-fieiros”.

As flechas são naturalmente chamadas de "filhos da aljava" (Lamentações 3.13, segundo algumas versões), como também em muitos idiomas orientais. Quer a pé, quer montados a cavalo ou em carruagens, os arqueiros preenchiam uma importante função entre as tropas levemente armadas da antiguidade. Os citas, assírios, elamitas, egípcios e filisteus eram exponentes desse método de guerrear. Entre os israelitas, os benjamitas, rubenitas, gaditas e manassitas eram especialmente famosos devido a seus arqueiros (v. I Crônicas 5.18; 12 2; 2 Crônicas 14.8). Subsequentemente, os exércitos gregos e romanos não utilizavam tanto essa prática de guerra, mas muitas vezes tiveram suas vitórias garantidas por arqueiros mercenários citas, sármatas e cretenses.

d) A funda

A gela' era usada principalmente pelos pastores (p. ex., Davi, I Samuel 17.40), para espantar feras para longe de seus rebanhos, e para evitar que seus animais se desviassem. Era comumente empregada como arma de guerra pelos exércitos do Egito, da Assíria e da Babilônia. Os israelitas também empregavam companhias de atiradores com a funda (“fundibulários”) como elemento importante de suas forças, entre os quais os ambidestros benjamitas eram renomados (1 Crônicas 12.2). A funda era feita de couro, quer dupla quer numa simples tira, e era alargada no meio para formar um lugar para o projetil, feito de pedra ou de metal em tempos mais recentes. Ambas as extremidades eram firmemente seguras na mão enquanto a funda carregada era girada acima da cabeça, até que uma das extremidades era subitamente solta.

Em 2 Crônicas 26.14, 15, as "fundas para atirar pedras" de Uzias, eram catapultas e trabucos gigantes.

e) O aríete

Essa arma de cerco era frequentemente usada entre os hititas, assírios, babilônios e persas (R. M. Hyslop, Iraq, XI (Pt. I), 1949, p. 90-125; XV (Pt. I), 1959, p. 69-87). A única menção bíblica fica em Jeremias 51.20, mas o hebraico mefits (lit., "espalhador") é realmente um cacete, provavelmente armado com pontas de ferro. Heródoto (t/ri. 63) descreve tal arma, que era levada pelas tropas persas do exército de Xerxes.

 

Idade do Bronze (2000-1000 a. C.)

Guerreiro elamita do exército de Quedorlaomer antes da Guerra dos Nove Reis (1924 a. C.). 

Guerreiros hititas fazendo patrulha em Hebrom (c. 1900 a. C.). 

Soldado egípcio do exército de Ramsés II após a Batalha de Kadesh (1250 a. C.).

Guerreiro cananeu na cidadela real de Jericó (1200 a. C.).

Soldado hebreu do exército de Josué no Deserto de Berseba (1200 a. C.).


Idade do Ferro (1000-340 a. C.)

Guerreiro filisteu do clã Weshesh na praia de Asquelom (1900 a. C.).

Soldado israelita do exército do rei Saul às margens do oásis de En-Gedi (1040 a. C.).




Rei Davi (1040-970 a. C.) em seus trajes de guerra durante a famosa Campanha de Aram-Zobá (990 a. C.).

Soldado judeu do exército do rei Davi em Jerusalém (1010 a. C.).

Príncipe e comandante judeu do exército do rei Ezequias de Judá fazendo vistoria nas muralhas de Laquis (710 a. C.).

Soldado samaritano do exército do rei Acabe de Israel fazendo patrulha na muralha de Samaria (870 a. C.).

Soldado assírio de Sargão II na sala do trono do Palácio de Nínive (720 a. C.).

Soldado babilônico do exército de Nabucodonosor II às margens do rio Eufrates (580 a. C.).

Imortal persa do exército de Dario I no Palácio de Susã (490 a. C.).

Soldado persa do exército de Xerxes I em batalha na Grécia (480 a. C.).

Catafrata persa do exército de Xerxes durante a campanha grega (480 a. C.).


Período Helenístico (340-30 a. C.)

Filipe II da Macedônia, com sua armadura de batalha, durante sua nomeação como Hegémon da Grécia (337 a. C.).

Alexandre, o Grande durante sua campanha na Ásia Central (329 a. C.).

Hetairoi (“Companheiro”) macedônio da cavalaria pesada de Alexandre na Pérsia (330 a. C.).

Hipaspista macedônio em batalha durante a campanha de Alexandre na Pérsia (333 a. C.).

Estrátego macedônio do Reino Ptolemaico do Egito em Mênfis (290 a. C.).

Falangista egípcio fazendo patrulha no Sinai (200 a. C.).

Falangista macedônio do Império Selêucida no Deserto do Neguebe (170 a. C.).

Catafrata selêucida durante a campanha egípcia de Antíoco IV Epifânio (175 a. C.).


Elefantes de guerra selêucidas durante a Revolta dos Macabeus (165 a. C.).

Judas Macabeu, Senhor da Guerra da Judeia e Sumo Sacerdote do Senhor, na Batalha de Bete-Zur, durante a Revolta dos Macabeus (165 a. C.).

Soldado judeu do exército dos Macabeus após a Batalha de Emaús (165 a. C.).



João Hircano I, Sumo Sacerdote do Senhor e primeiro Rei da Dinastia Asmoneana, durante sua campanha na Idumeia (128 a. C.).



Soldado judeu da infantaria asmoneana durante a campanha de João Hircano I no Neguebe (120 a. C.).



Cavaleiro judeu do Exército Sempre Vitorioso de Hircano I em patrulha no Deserto da Pereia (115 a. C.).

Elefante de guerra do Exército Sempre Vitorioso com soldados judeus e mercenários gregos (100 a. C.).


Período Romano (30 a. C.-100 d. C.)

Legionários romanos do exército de Pompeu em Jerusalém (63 a. C.).

Cavaleiro auxiliar do exército de Pompeu na Judeia (60 a. C.).

Herodes, o Grande, rei judeu vassalo e procurador romano da Judeia, em trajes de batalha antes da guerra com os nabateus (26 a. C.);

Soldado judeu da Infantaria Herodiana em Jerusalém (20 a. C.).

Comandante judeu da Cavalaria Herodiana fazendo patrulha em Berseba (20 a. C.).

Legionário romano da Legião XII Fulminata, instalada na Judeia por César Augusto (37 a. C.).

Équite romano da Legião VI Ferrata lutando contra bandidos em Beth-Sean (30 a. C.).


Comentários